O domingo amanheceu com uma chuvinha fina, daquelas de engrossar rio,
de fazer o milho crescer. Hora de fazer a mochila e aproveitar o
feriado para voltar pra casa tratar das 'criação'.
A semana foi
intensa! A metrópole proporciona isso. Depois desses anos de reclusão em
Baldim, estamos sedentos por programações culturais e BH não faz feio,
não.
Na segunda teve sarau com participação de Renegado e Tom
Nascimento, que fizeram toda a diferença. Quando a coisa fica preta, a
coisa, realmente, fica boa.
Na terça, teve roda de conversa com a
professora e ex-ministra Nilma Lino Gomes, a primeira mulher negra a
ser reitora de uma universidade (Unilab). Nilma falou sobre racismo,
relações raciais e educação para uma platéia que encheu a Ocupa FaE de
cor. Que coisa linda, xs pretxs todxs querendo se expressar. Nilma falou
que não tem como discutir racismo sem pensar os privilégios da
branquitude. Falou também do movimento negro e dxs negrxs em movimento.
Foi ovacionada! Representatividade importa! Nossxs corpos negros
precisam estar ocupando a universidade, trazendo à tona a necessidade de
refletirmos sobre os silêncios e a invisibilidade de certas pautas.
Na quarta, o menino se sentindo culpado porque mataria aula, veio de
Baldim para participar da conversa com o músico Emicida e o escritor
Ferréz. Fomos cedo para a porta do teatro pegar os ingressos e na fila
já tínha um monte de mina preta discutindo empoderamento negro. Não
resisti, me meti na conversa e viramos amigas de infância. O grande
teatro do Sesc Palladium ficou lotado, mais uma vez, por uma platéia
cheia de cor. Os corpos negros precisam ocupar também os espaços da
cultura. Eram muitos blacks e turbantes empoderados colorindo aquele
teatro. Foi lindo, foi forte, foi empoderador. Mais uma vez, as vozes
desses sujeitos à margem queriam ser ouvidas. Não sem razão, o tema da
conversa era literatura periférica. Os sujeitos periféricos na condição
não mais de objeto de estudo, mas como protagonistas, como sujeitos de
uma produção artísitica importante, não só simbolicamente, como também
histórica e politicamente. Foram 3 horas de conversa que só foi
interrompida porque o teatro precisava ser fechado. Não dá mais para
ignorar a produção cultural e artísitica desses sujeitos periféricos. A
periferia sendo discutida não como lugar de pobreza e violência, mas
como um espaço de potência cultural.
Na quinta, o menino viveu
pela primeira vez a experiência de um corte de cabelo num salão afro.
Todx pretrx precisa viver isso. Eu fiquei ali, sentada admirando aquele
black lindo que era elogiado por cada pretx que entrava no salão. O
menino sempre alimentou o desejo de deixar o cabelo crescer, mas só
consegui, há cerca de 2 anos, depois de participar de um evento onde
havia muitos blacks, dreads e crespos lindos. Depois daquele evento ele
nunca mais cortou o cabelo e foi a primeira vez que aparou as
pontinhas. Mesmo assim, só se sentiu seguro com um cabelereiro negro.
Enquanto ficava ali, assistindo, ouvi muitas histórias sobre bailes,
festas, enquadros de polícia e racismo.
Na sexta, a aula foi na
rua. Levei o menino para a manifestação contra a Pec 241/55. Foi lindo
ver seu olho brilhando ao observar xs meninxs do Levante da Juventude.
Estudante se juntando com professor e funcionários da educação para
manifestarem sua indignação contra a Pec da Morte. Tenho certeza que o
que ele aprendeu numa manhã na manifestação, ele não aprenderia em um
semestre de escola.
Ontem, foi a vez de uma conversa com
congadeiros e fazedores de cultura da região metropolitana de BH.
Novamente, foi lindo, foi forte, foi empoderador. A conversa girou em
torno da necessidade de nossos corpos negros ocuparem também, os espaços
da política.
A cada dia que passa, eu fico mais convencida que,
independente ou a contrapelo do golpe, existe uma revolução em curso, e
que embora invisibilizada segue a pleno vapor e passa pelxs estudantes,
pelas mulheres, pelos LGBT's e pelo povo preto.
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