terça-feira, 15 de novembro de 2016

Leia Clarice!

Odeio baratas, mas já aprendi a enfrentá-las. Clarice me ajudou. Foi lendo "A paixão segundo GH" que compreendi que a barata esfrega em minha cara a minha solidão. Sem ter a quem recorrer, sou obrigada a enfrentar o nojo, a repugnância e o terror e matar as minhas próprias baratas. Já consigo fazer isso bem.
Essa madrugada vivi outro terror. Dessa vez foi um rato, enorme. Acordei com um barulho na minha caixa de livros. Pressenti, é o rato. Ele já havia dado sinais de estar nos visitando. Fui em busca de ajuda no quarto do menino. Afinal, aquele 1,80m tem que servir para alguma coisa. Desafiado, ele veio em meu socorro. Eu decidida, informei:
- "Pra esse quarto eu não volto".
- "Tudo bem, mãe. Vamos fazer assim. Eu fecho a porta do seu quarto, você dorme no meu e amanhã Tio Zezé dá um jeito." Concordei. Só que, enquanto ele puxava a porta para fechá-la, o danado do rato resolveu sair do quarto. Em pânico, eu comecei a gritar. O menino se manteve firme por alguns segundos, até que o bicho foi em sua direção, passando em cima de seu pé. Aí, éramos dois na gritaria. Os dois, em cima da mesma cadeira, abraçados e gritando. Do outro lado do muro o vizinho acordou assustado.
- "Tá tudo bem aí?"
"Tá não!", respondi. "Temos aqui, um rato".
Do seu barraco no fundo do quintal, meu irmão acendeu a luz.
- "Que que aconteceu?"
- "Um rato, Zé!
- "Amanhã eu resolvo isso."
- "Como assim, amanhã?"
A saída foi me trancar no quarto do menino e dormi na mesma cama com ele. Abraçados, os dois.
Pela manhã fui ler Clarice, "Perdoando Deus", conto em que a personagem se vê às voltas com um rato morto, em Copacabana. "Minha vulnerabilidade de criatura", é isso que o rato me mostra, minha fragilidade. Como escreve Clarice, "o mundo também é rato", "o rato existe tanto quanto eu". O mundo não é só feito das florzinhas que enfeitam a minha janela, todas as manhãs. Tem ratos, também! E precisamos aprender a enfrentá-los. É certo que ele vai voltar, mas não estarei desprevenida. Que venha! Estarei pronta, esperando.
Quando você não tiver a resposta, quando nada fizer sentido, leia Clarice. Pra mim sempre dá certo.

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