terça-feira, 15 de novembro de 2016
Ninguém vai nos tombar, não!
Como o segundo turno em BH era entre o capeta e o demônio, justifiquei
meu voto em Baldim, fui catar gabiroba no cerrado e depois fui almoçar
com parte da família. Como a família é grande, qualquer almoçinho já
junta pelo menos cinco irmãos. Uma das minhas irmãs mais velhas estava
presente. E é sempre muito emocionante ouví-la. Ela é das pessoas mais
amorosas e generosas que conheço, com um senso de justiça do tamanho do
mundo. Foi das primeiras a sair do interior e vir para a capital. Hoje,
ela me contou que não queria vir. Vinha ser empregada doméstica, embora
esse não fosse seu desejo. Segundo ela, quando o ônibus entrou na
avenida Pedro I, na região de Venda Nova, zona norte de BH, ela desceu e
foi para casa de uma antiga vizinha nossa, que anos antes mudara para a
periferia da capital. O "futuro patrão" a espera até hoje. Minha irmã
sempre foi "meio rebelde", sempre assumiu seus desejos, sempre quis
fazer a sua história. Casou e teve cinco filhxs. Durante muitos anos sua
vida foi dedicada à família. Só realizou o desejo de entrar na
Universidade [pública, numa época que não havia cotas o que teria
facilitado um monte a nossa vida] depois dos 50 anos. Foi fazer
biblioteconomia, não porque era seu desejo, mas porque não era um curso
tão concorrido. Estudou com uma de suas filhas. Se formaram
bibliotecárias. Dxs cinco filhxs, 4 formaram em universidades públicas.
Uma se formou em estatística e trabalha na área; a caçula é agrônoma e
está no doutorado; outra está cursando direito e a que estudou com a
mãe, ainda fez uma segunda graduação e faz um trabalho lindo na
biblioteca na cidade onde mora que já foi até premiado, em Brasília.
Essa geração dos nossxs filhxs, apesar de todas as dificuldades, já
tiveram uma vida bem melhor do que a nossa. Minha irmã lembrou da
infância e de uma das inúmeras mudanças. Esta, feita num carro de boi
emprestado, com os poucos pertences enrolados em trouxas, dividindo
espaço de papai e mamãe com xs filhxs. Seguiam para as terras de um
grande latifundiário da região, onde papai trabalharia como meeiro por
alguns anos. Desse período os irmxs mais velhxs só têm lembranças de
fartura. A terra era boa, papai plantava de tudo e conseguiu até comprar
2 cavalos. Mas um desentendimento pôs fim ao negócio e levou a família,
seguindo outras, que já haviam migrado, para Baldim. Sem trabalho,
papai se viu obrigado a vender os cavalos para comprar comida e começou
um período muito difícil para a família. Ficamos ali, lembrando
histórias e nos emocionando, enquanto refletíamos sobre a nossa
conjuntura política. Um detalhe que me emocionou nessa minha irmã que
não queria ser empregada doméstica, e que sempre teve a libido pelo
conhecer, que adora estudar, que é uma das pessoas mais inteligentes que
eu conheço, foi vê-la com aparelhos nos dentes, o que só foi possível
depois dos 60 anos de idade e depois que todos os seus filhxs usaram.
Isso tudo pra dizer que a pobreza é uma desgraça e que ficar livre dos
efeitos dela leva, às vezes, mais de uma geração. Nunca foi fácil para a
minha família. Vivemos um refresco por cerca de uma década durante o
período do governo Lula/Dilma. Tenho clareza de que o que vem pela
frente não será nada fácil, mas seguiremos na luta. 'Nois por nois',
como sempre foi. Pra quem teve que recomeçar tantas vezes, não é agora
que esta direita vai nos derrubar. Convivemos com ela desde que nossos
ancestrais chegaram aqui, num navio negreiro. E não é agora que nós
vamos deixar esses senhores de engenho nos tombar. Se não tombaram nem
minha bisavó, Maria Rosa, que era negra cativa!
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