Queria saber escrever bonito como
minha amiga Regina Pereira. Ou que o espírito do poeta mineiro,
Donizete Galvão, me visitasse ou ainda, que a entidade que sopra poemas
no ouvido de Adélia em sua cozinha, em Divinópolis desse o ar da graça
por aqui. Ou que me baixasse inspiração como a que visitava Cora
Coralina enquanto ela fazia doce na velha casa da ponte.
Mas nada...
Criolo canta pra mim e me ajuda:
"E por mais que eu tente explicar, não consigo
tornar concreto o abstrato que só eu sinto
É como se eu ficasse aqui nesse cantinho
Vendo o mundo girar num erro abusivo"...
"Viver é muito perigoso".
Pai mata filho e pessoas invadem o Congresso exigindo intervenção
militar. E eu aqui, tendo epifanias, enquanto olho pela janela azul de
tramela.
A chuva deixa o morro branquinho.
O pé de mamão
que cresce na janela da cozinha ensaia algumas florzinhas. Não sei se
renderá frutos, mas suas folhas têm funcionado como uma espécie de toldo
que impede que a chuva entre pela casa a dentro, molhando tudo. Com a
janela aberta vejo a algazarra dos passarinhos. Pássaro gosta de chuva,
já reparou? Agora a pouco uma andorinha estava quietinha no muro, no
meio do maior aguão. Os periquitinhos verdes passando em bando, fazendo
algazarra. E os pardais cantado um canto de contentamento, bem diferente
do sabiá quando tá chamando chuva, no meio daquele calorão.
Nos
galhos do pé de mamão, os pingos da chuva ficam suspensos naqueles
caules ocos que usávamos para soprar bolinhas de sabão na infância.
Hoje, a fábrica de doces faz goiabada. O cheiro chegou até aqui e se
juntou ao do capim cidreira estimulado pela chuva que cai sem parar,
desde cedinho.
A cidade é um silêncio só.
Mentira!
Tem o som da chuva, que hoje veio encarreirada, me fazendo lembrar do
poema de Adélia e me inspirando o cardápio do almoço: "chuchu novinho
com angu e molho de ovos".
Bora separar o fubá.
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