sábado, 11 de fevereiro de 2017

O que te fortalece?

Ontem, pela manhã, enquanto observava os passarinhos atravessando a cozinha, pensava: "todo mundo deveria ter um pé de mamão junto a janela só para observar a farra dos pardais'. Daí, fiquei me achando ridícula, pois, enquanto lá fora a vida estoura em bombas, eu aqui, no meu cotidiano ordinário, rindo de passarinho. Então, apareceu na minha TL uma crônica do Rubem Braga, "Um sonho de simplicidade", onde ele fala que a vida poderia e deveria ser mais simples. Casa, comida, um amor [se puder], andar limpo, não ter fome, nem sede, nem frio. "Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver – sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão", ele diz. Como sempre, passei o dia nos meus afazeres de dona de casa, de mãe de filho, de professora, preparando cronograma para o próximo semestre que se incia em breve. No final do dia, aproveitei a trégua da chuva e fui caminhar. O caminho pedregoso, os quintais dos vizinhos, galinhas pelo meio da rua, cachorros enrodilhados, crianças brincando ainda com o uniforme da escola. Eu, como sempre me distraindo com o cerrado no rebroto, parei para colher flores. Um senhora riu. Eu expliquei que era para enfeitar a casa. Ela deve ter pensado, como meu irmão, que as amarelinhas não são flores, mas mato, carrapicho. Todos os dias eu me espanto com as mesmas coisas, como se fosse a primeira vez. Quando cheguei em casa, um post de uma amiga recente, falava sobre a necessidade de nos fortalecermos nessa "noite sem lua" que virou esse país pós-golpe. Segundo ela [e eu concordo], uma maneira de nos fortalecermos é nos cercando "de beleza, dos grandes livros e pensadores, das pessoas que fazem o bem, procurando estar ao lado do que é bom, justo, ético. cuidando das crianças, dos jovens e dos velhos. olhando pelos que estão nas ruas, pelos que estão passando fome, sendo discriminados." Sabe o que me fortalece? Essa casa velha me fortalece, ouvir o menino cantando Paulo César Pinheiro, antes das 7h da manhã, enquanto se prepara para ir pra escola me fortalece. Fridinha e Scooby enrodilhados aos meus pés e me recebendo no portão a cada vez que chego como se estive há anos longe de casa, me fortalece. Uma conversa com um amigo, ainda que via Whatsapp, me fortalece. Um bom livro me fortalece, ouvir Milton Nascimento me fortalece. Preparar o meu próprio pão me fortalece. Poder acordar com os passarinhos me fortalece. A sala de aula me fortalece. Ler um recado de umx alunx num trabalho de final de semestre me fortalece. Escrever me fortalece. Os tempos estão brutos e dá medo pensar no que ainda está por vir. Por isso, mais do que nunca precisamos fortalecer as nossas redes de afeto. Mas, como disse a minha amiga, também é preciso "saber quem é quem para que nos fortaleçamos e possamos nos proteger." Calvino já disse: "O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço." 
Eu prefiro a segunda opção. 
Abramos caminho, então!

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